Perdemos Mais Um
Quem teve a curiosidade e depois o prazer de pesquisar a música de raiz do meio do Brasil, mais precisamente dos estados de Minas Gerais e Bahia passou obrigatoriamente por esse cantor, compositor, violeiro e pesquisador das nossas raízes musicais que acaba de falecer para a tristeza dos fãs da verdadeira cultura. Trata-se de Dércio Rocha Marques, mineiro de Uberaba que até ontem vivia seus 64 anos de idade ainda lutando contra o descaso e a ignorância de um povo que insiste em negar a sua verdadeira história. E o que é ainda pior, tendo que sobreviver à margem da mídia que prefere promover a mediocridade em troca do lucro imediato para os cofres de quem a controla e que de cultura e história não conhece praticamente nada. Dércio Marques começou sua carreira de fato, nos anos setenta e fazia parte de um rico grupo de cantores, compositores, e, como ele, pesquisadores de um segmento musical pouco explorado em nosso país. Só pra se ter uma idéia, Dércio dividiu trabalhos com Elomar Fiqueira de Mello, Xangai, João do Vale, Zé Gomes, Carlos Pita, Heraldo do Monte, Oswaldinho e muitos outros verdadeiros artistas brasileiros. Pesquisou a história da musica ibero-americana e logo em seu primeiro disco interpretou apenas e simplesmente poemas de Atahualpa Yupanqui. Gravou discos só com música de raiz e também fez trabalhos direcionados ao público infantil, com tamanha qualidade que como de costume, não coube na mídia, já que esse artista não nasceu com a beleza necessária para a sua inclusão nos meios de comunicação da nossa terra. Dércio nasceu em agosto de 1947 e seu pai era uruguaio, talvez daí tenha surgido a vontade de conhecer a cultura dos nossos vizinhos, e ele nos mostrou durante sua carreira de 13 discos, muito dessa cultura rica e complexa. Feliz de quem teve acesso a alguma coisa desse que agora não mais estará entre nós. Às vezes sinto vergonha do país onde nasci. Não consigo entender o porque se ter que pegar sempre o caminho fácil e errado para se conseguir alguma coisa. Parece que os valores se inverteram e tudo que era bom ficou ruim. Bem, o Dércio se foi, mas sua obra ficou registrada. Ainda há tempo de ser apreciada e valorizada. Não esperem homenagens no rádio ou na televisão. Morreu um brasileiro quase desconhecido e isso não dá ibope. Me solidarizo aos verdadeiros fãs e peço que as homenagens sejam feitas num plano superior que é para onde vão os espíritos de boa vontade, acredito. Então, Que Dércio Marques encontre um bom lugar para dedilhar sua viola e cantar as melodias bonitas que construiu enquanto esteve por aqui e que muito pouca gente conheceu.
Zé Vicente