14 de ago. de 2012

PESSOAL


O Anjo Torto

“Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar.”

Deixando esse bilhete, Torquato Pereira de Araújo Neto suicidou-se no banheiro de sua casa um dia após ter completado 28 anos de idade. No dia 10 de novembro de 1972 partia daqui um dos maiores e mais verdadeiros poetas de nosso país.









Um dia desses, depois de ouvir uma música que gosto muito chamada Destino, que é parceria de Torquato Neto com Jards Macalé, resolvi colocar a primeira frase no mural do meu facebook. Nunca precisei esperar datas de nascimento ou morte para fazer homenagens. Então, achando pouco apenas uma frase, resolvi aumentar a lembrança e fazer um texto dando uma pequena idéia de quem foi essa figura impar na cultura brasileira que decidiu se retirar do mundo tão cedo e por conta própria.
























O Torquato nasceu em 09 de novembro de 1944 em Teresina, capital do Piauí e já por aí começa a diferença. Aos dezesseis anos mudou-se para Salvador e foi estudar num colégio onde também estudava Gilberto Gil. Através de Gil, conheceu Caetano, Gal e Maria Bethânia. Conheceu também e trabalhou com Glauber Rocha. Iniciou-se aí uma trajetória importantíssima na cultura brasileira.




































Esse pessoal mudou-se para o Rio de Janeiro da Bossa Nova e do Samba e mexeu com as estruturas de forma contundente quando iniciaram um movimento cultural chamado Tropicalismo, que mudou o rumo não só da música, mas da poesia, do cinema e até das artes plásticas. O Tropicalismo defendia uma cultura popular genuinamente brasileira. Liberdade de expressão, cinema livre e poesia concreta, eram algumas das mudanças que eles propunham e Torquato Neto, que estudava jornalismo, inclusive  trabalhando nesse ramo, era um dos maiores defensores dessas mudanças.










Torquato participou do disco que deu partida para o estabelecimento desse movimento. O disco Tropicália – Panis et Circensis lançado em 1968 tem Torquato na capa e em duas parcerias. As músicas Mamãe Coragem e Geléia Geral, que trouxe uma linguagem totalmente nova em sua letra. Era apenas o início da inquietação desse artista.

Foram muitos os parceiros de Torquato até o início dos anos setenta. Na música, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Jards Macalé, entre outros. Na poesia seus amigos eram Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos, Ivan Cardoso, no cinema e Hélio Oiticica nas artes plásticas. E Glauber Rocha, que dispensa comentários. Torquato trabalhou em quatro filmes. Ora como ator, ora roteirista, ou apenas fazendo uma ponta.

Mas com o exílio de seus principais amigos depois do golpe militar e do Ato Institucional numero 5, iniciou-se uma fase muito ruim na vida do poeta. Andou pela Europa, chegando a morar um tempo por lá. Mas gostava do seu país e quando voltou, no início dos anos setenta, ficou decepcionado com o que viu. Com a censura e a perseguição política e policial, ficava muito pouco para a arte livre e restou aos artistas que ficaram, escrever e cantar, e se manifestar com bobagens segundo ele mesmo disse em comentários feitos a amigos, além do alto uso da maconha, muito popular, na época para tentar fugir da realidade então estabelecida.

E Torquato preferiu o álcool. E não se deu bem. Internações, crises, depressão, incoformismo. Perdeu amigos. Isolou-se e passou a definhar, o que culminou com sua trágica decisão. E um gênio quando decide, geralmente não volta atrás. Mesmo com mulher e um filho de apenas 2 anos de idade, Torquato decidiu sair da vida.







Sua passagem por aqui foi curta mas o que ele deixou registrado é de uma riqueza e importância que não pode ser esquecida. Ele ajudou a abrir caminho para a liberdade num país de pensamento medíocre e preconceituoso. Pagou o preço por estar à frente de sua época e não encontrou respaldo suficiente para continuar, infelizmente.

Sou contemporâneo de Torquato Neto e acompanhei sua pequena trajetória. Continuo acompanhando quando ouço as canções onde ele colocou sua poesia moderna e arrojada na voz daqueles que, assim como ele ainda passam pelo marginalismo e descaso quando se trata de cultura e arte verdadeira em nosso pobre país. Fica então a minha lembrança e homenagem A Torquato Neto e a esperança que aqueles que venham a ler esse texto, tenham a curiosidade de pesquisar sua obra e não deixar essa chama se apagar.

Zé Vicente

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